direitos reais ou direito das coisas

Aula 14: direitos reais ou das coisas

O estudo dos Direitos Reais constitui uma das áreas mais importantes e tradicionalmente examinadas no Direito Civil. Enquanto o Direito Obrigacional (estudado na Teoria Geral das Obrigações) foca na relação entre pessoas (credor e devedor) para o cumprimento de uma prestação, os Direitos Reais (também chamados de Direito das Coisas) focam na relação jurídica da pessoa com a coisa.

Para o Exame de Ordem, é crucial compreender o principal direito real – a Propriedade – e os direitos reais limitados previstos no Código Civil (CC/02), especialmente em seu Artigo 1.225.

I. A Distinção Fundamental: Direito Obrigacional vs. Direito Real

A compreensão dessa distinção é vital para entender a aquisição da propriedade:

CaracterísticaDireito Obrigacional (Pessoal)Direito Real (Coisas)
Natureza da RelaçãoEnvolve uma relação entre Pessoa vs. Pessoa (devedor vs. credor).Envolve uma relação direta entre Pessoa vs. Coisa.
EficáciaInter partes (gera efeitos apenas entre as partes contratantes).Absoluta (Erga Omnes) (é oponível contra todos, protegendo o titular contra terceiros).
ObjetoBusca criar, regular, modificar ou extinguir obrigações e deveres.Confere ao titular o poder de usar, gozar, dispor da coisa e o direito de reavê-la (sequela).
Transferência da PropriedadeO acordo de vontades (o contrato, ex: Compra e Venda) cria a obrigação de entregar, mas não transfere a propriedade em si.A transferência da propriedade (o direito real) ocorre apenas com a Tradição (para bens móveis) ou o Registro (para bens imóveis).

II. O Direito de Propriedade e Suas Formas de Aquisição

O direito de propriedade é o mais amplo dos direitos reais, conferindo ao proprietário o direito de usar, gozar, fruir e dispor do bem.

A aquisição da propriedade imóvel e móvel pode ocorrer por diversos meios, sendo o Usucapião um dos mais relevantes para a prova.

A. Usucapião de Bens Imóveis

A usucapião é uma forma de aquisição da propriedade.

  1. Prazo Mínimo: O lapso temporal mínimo exigido por lei para a aquisição de uma propriedade (a Usucapião Familiar) é de dois anos.
  2. Posse: A usucapião exige a posse justa (pública, mansa e pacífica, sem violência, clandestinidade ou precariedade), somada ao tempo. O que determina o tempo é a boa-fé, pois a posse de boa-fé diminui o tempo, e a posse de má-fé faz o tempo aumentar, mas o usucapião cabe na posse de má-fé (ex: 15 anos, conforme Art. 1.238 do CC).

B. Usucapião de Bens Móveis

Existem duas espécies de usucapião de bens móveis:

  1. Ordinária (Art. 1.260 CC): Exige posse contínua e incontestada por três anos, além de justo título e boa-fé.
  2. Extraordinária (Art. 1.261 CC): Exige posse por cinco anos, mas dispensa justo título e boa-fé.
  • Atenção (Questão Híbrida): A usucapião é possível mesmo se o bem foi furtado, desde que a forma seja a Extraordinária e o prazo de contagem da posse (animus domini) comece apenas a partir da prescrição da pretensão punitiva do crime.

III. Direitos Reais sobre Coisa Alheia

Os Direitos Reais sobre Coisa Alheia conferem ao titular poderes limitados sobre o bem de outra pessoa (o nu-proprietário ou fundeiro).

A. Direito Real de Superfície (Arts. 1.369 e ss., CC)

O proprietário (denominado fundeiro) pode conceder a outrem (superficiário) o direito de plantar ou construir em seu terreno.

CaracterísticaEstatuto da Cidade (Lei 10.257/2001)Código Civil (Lei 10.406/2002)
Âmbito de AplicaçãoImóvel Urbano, pois trata-se de norma de políticas urbanas.Imóvel Rural, sendo o regime legal reservado a este tipo de propriedade.
Finalidade/ConstituiçãoConcede ao superficiário o direito de plantar e/ou construir em terreno alheio.O proprietário pode conceder o direito de construir ou plantar em seu terreno.
PrazoPode ser constituído por tempo determinado ou indeterminado.Deve ser constituído apenas por tempo determinado.
SubsoloAdmite obras no subsolo, em regra.Não autoriza obras no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.
TributosO superficiário responde pelo IPTU. A Lei admite a possibilidade de rateio dos tributos com o fundeiro (proprietário).O superficiário responde pelo ITR (imposto para imóvel rural). Em regra, o superficiário responderá pelos encargos e tributos, sem previsão de rateio obrigatório.
Formalidade EssencialDeve ser constituído mediante escritura pública devidamente registrada no cartório de registro de imóveis.Deve ser constituído mediante escritura pública devidamente registrada no cartório de registro de imóveis.
Extinção e IndenizaçãoExtinta a concessão, o proprietário (fundeiro) passa a ter a propriedade plena do terreno e das construções/plantações, independentemente de indenização, a não ser que o título constitutivo estipule o contrário.Extinta a concessão, o proprietário passa a ter a propriedade plena, independentemente de indenização, salvo se as partes houverem estipulado o contrário.
Direito de PreferênciaSe o superficiário pretender vender o seu direito, ou o fundeiro pretender vender a propriedade, deve haver notificação para que a outra parte exerça o direito de preferência em igualdade de condições.O superficiário ou o proprietário têm direito de preferência em igualdade de condições, em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície.
Extinção por DescumprimentoA concessão será resolvida se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual foi constituída, antes do termo final

B. Direito Real de Servidão (Arts. 1.378 e ss., CC)

A servidão proporciona utilidade para um prédio (dominante) e grava outro prédio (serviente), que pertence a donos diversos.

  • Imóvel Dominante: É o imóvel que obtém o proveito ou a vantagem.
  • Imóvel Serviente: É o imóvel que sofre o ônus (estado de sujeição).
  • Constituição: Constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis.
  • Servidão Fática (Usucapião): Uma servidão que existe apenas de forma fática (ex: passagem não registrada) pode ser transformada em servidão de direito (registrada) mediante usucapião.
  • Apenas Servidão Aparente: Apenas a servidão do tipo aparente (que se exterioriza por obras) pode ser adquirida mediante usucapião.
  • Extinção por Não Uso: O Art. 1.389, III, estabelece que a servidão se extingue pelo não uso durante dez anos contínuos, mas isso só se aplica à servidão descontínua (que depende de conduta humana para se manter).

C. Direito Real de Usufruto (Arts. 1.390 e ss., CC)

O usufruto confere ao usufrutuário o direito de usar, gozar e fruir do bem, enquanto o nu-proprietário detém o direito de dispor dele.

  • Objeto: O usufruto pode recair sobre bens móveis ou imóveis, um patrimônio inteiro ou parte dele.
  • Características: É um direito real temporário e personalíssimo.
  • Extinção: A morte do usufrutuário é a forma de ensejar a extinção do usufruto vitalício.
  • Usufruto Sucessivo: O usufruto sucessivo é proibido, pois a morte do usufrutuário extingue o instituto.
  • Direito de Acrescer (Art. 1.411): Em caso de co-usufruto (usufruto simultâneo em favor de duas ou mais pessoas), o direito de acrescer (a parte do falecido ir para o sobrevivente) não é automático, mas deve ser estipulado expressamente.
  • Quase Usufruto: Admite-se usufruto sobre bens consumíveis ou fungíveis, chamado quase usufruto ou usufruto impróprio. Neste caso, o usufrutuário pode consumir o bem, mas tem o dever de restituir ao nu-proprietário o equivalente em gênero, qualidade ou quantidade ao final do usufruto.
  • Pessoa Jurídica: O usufruto em favor de pessoa jurídica não pode exceder o prazo de 30 anos.
  • Impenhorabilidade: O direito real de usufruto tem natureza personalíssima e não pode ser penhorado. Contudo, o exercício do usufruto pode ser penhorado, ou seja, os frutos colhidos (ex: o valor do aluguel do imóvel) podem ser objeto de penhora.

D. Direito Real de Uso e Habitação

São direitos assemelhados ao usufruto, sendo o Uso intermediário e a Habitação mais restrita.

  • Uso: O usuário tem o direito de usar, gozar e fruir, mas este jus fruendi (direito de fruir) é limitado às necessidades suas e de sua família.
  • Habitação: É o direito mais restrito, consistindo apenas no direito de habitar gratuitamente casa alheia com sua família, sem poder alugar, emprestar ou ceder.
  • Habitação Legal: A lei garante o direito real de habitação ao cônjuge ou companheiro sobrevivente sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar, qualquer que seja o regime de bens.

E. Direito Real do Promitente Comprador (Arts. 1.417 e 1.418, CC)

Surge de uma promessa de compra e venda de bem imóvel, na qual foi estipulada cláusula de irretratabilidade (não se pactuou arrependimento).

  • Constituição: Para ter eficácia erga omnes, o contrato preliminar deve ser levado a registro imobiliário.
  • Adjudicação Compulsória: Se o promitente vendedor se recusar a outorgar a escritura definitiva, o promitente comprador pode requerer ao juiz a adjudicação compulsória do imóvel.
  • Súmula 239/STJ: A adjudicação compulsória é direito do promitente comprador mesmo que a promessa de compra e venda não tenha sido levada a registro (mas, neste caso, o direito não será oponível a terceiros de boa-fé).

Esquema para fixação:

Se o Direito Obrigacional é um plano de voo que vincula o passageiro (credor) ao piloto (devedor) para uma viagem (prestação), os Direitos Reais são a Torre de Controle que estabelece as regras de domínio sobre a Pista (o Bem). A Propriedade é o direito de ser o único a pousar e decolar (usar, gozar, dispor), e os Direitos Reais sobre Coisa Alheia (como o Usufruto ou a Servidão) são permissões regulamentadas que a Torre de Controle concede a terceiros para utilizar a Pista de forma limitada e sob regras estritas, garantindo que o Proprietário (fundeiro/nu-proprietário) não perca seu domínio principal.

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