Continuando nosso estudo da Parte Geral do Código Civil (CC/02), após analisarmos a Pessoa Natural (ou Humana), voltamos nossa atenção para a sua contraparte no ordenamento jurídico: a Pessoa Jurídica.
O Direito precisa regulamentar não apenas o ser humano, mas também as entidades criadas por ele, sendo crucial entender quando elas “nascem” juridicamente e onde elas “vivem” (o domicílio).
I. A Pessoa Jurídica: Conceito e Início da Personalidade
No campo do Direito, pessoa é o ser ou o ente dotado de personalidade. A Pessoa Jurídica (PJ) é uma ficção jurídica, um ente criado pela vontade humana. Numa leitura constitucional, ela é vista como a pessoa não humana.
A. O Conceito de Personalidade Jurídica
A personalidade, em seu sentido civil ou jurídico, é a aptidão genérica e abstrata que o ente possui para ser titular de direitos e deveres na ordem civil. A Pessoa Jurídica tem essa personalidade, o que lhe permite, por exemplo, ser titular de cotas sociais, ser dona de um imóvel ou celebrar contratos.
B. O Início da Existência Legal
Enquanto a personalidade da Pessoa Natural se inicia com o nascimento com vida (Teoria Natalista), o início da personalidade civil da Pessoa Jurídica de Direito Privado é regido pelo registro dos seus atos constitutivos no órgão adequado.
O registro dos atos constitutivos (como o contrato social ou estatuto) é o marco para o nascimento legal da PJ:
- Se a PJ for empresária (exercer atividade empresarial), o registro é feito na Junta Comercial.
- Se a PJ for não empresária (como uma fundação ou associação), o registro é feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (RCPJ).
C. Pessoa Jurídica e Direitos da Personalidade
Embora a Pessoa Jurídica possua personalidade civil, ela não é titular de Direitos da Personalidade propriamente ditos. Isso ocorre porque os Direitos da Personalidade são considerados atributos inerentes à condição de ser humano, de índole existencial e não patrimonial.
Contudo, a Pessoa Jurídica possui atributos que se assemelham aos direitos da personalidade da Pessoa Natural, como nome, imagem e reputação.
O CC/02 adota a chamada tutela de empréstimo, determinando que se aplica às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. Ou seja, a tutela existente para a Pessoa Natural pode ser estendida à Pessoa Jurídica de forma adequada e casuística.
- Dano Moral da PJ: Em prova objetiva, o examinando deve lembrar que a Súmula 227 do STJ estabelece que a Pessoa Jurídica pode sofrer dano moral. A doutrina moderna, contudo, sugere que o termo mais adequado seria dano institucional.
II. Domicílio: A Sede Jurídica da Pessoa
O estudo do domicílio é fundamental, pois ele confere a individualização da pessoa (seja ela natural ou jurídica) e permite que a ordem jurídica a localize para o exercício de direitos e cumprimento de obrigações.
A. Conceito e Finalidade
O domicílio é definido como a sede jurídica da pessoa. É o local onde a pessoa é encontrada, tendo a intenção de ali residir (ânimo definitivo).
É vital saber o domicílio de uma pessoa para a cobrança de obrigações e para definir o foro competente (o local onde se deve entrar com uma ação judicial).
B. Elementos Constitutivos
O domicílio, para ser caracterizado, exige a conjugação de dois elementos:
- Elemento Subjetivo (Ânimo): É a intenção (o ânimo) de residir ali, de permanência.
- Elemento Objetivo (Estabelecimento): É o estabelecimento efetivo. A pessoa é realmente encontrada naquela localidade.
- Diferença: O domicílio não se confunde com habitação ou moradia, pois nestes falta o elemento subjetivo, ou seja, o ânimo de permanência ou de ali se estabelecer (ex.: ficar em um hotel durante férias).
C. O Domicílio da Pessoa Jurídica (Sede Principal)
Embora as fontes se concentrem na Pessoa Natural, a regra para a Pessoa Jurídica é a de que seu domicílio é o lugar onde funciona a sua administração ou o seu estabelecimento principal.
- Observação: Para fins de prova, a sede jurídica da PJ está ligada ao local onde ela exerce suas atividades, onde seus atos são registrados e onde ela cumpre suas obrigações.
III. Classificações do Domicílio
O domicílio pode ser classificado em três tipos principais, que se aplicam em diferentes contextos da vida civil.
1. Domicílio Voluntário (Regra Geral)
O domicílio voluntário é a regra geral e decorre da autonomia da vontade. A pessoa pode escolher onde morar.
- Regra da Pluralidade de Domicílios: É possível que uma pessoa natural tenha dois ou mais domicílios. Se a pessoa tiver diversas residências onde vive alternadamente, qualquer uma delas será considerada seu domicílio.
- Exemplo: Uma pessoa que passa seis meses em Curitiba e seis meses em Cuiabá. Ela pode ser demandada em qualquer uma dessas localidades.
- Regra do Domicílio Sem Residência Fixa: Para a Pessoa Natural que não possua residência habitual (viajantes, ciganos), o domicílio será o lugar onde ela for encontrada. Isso é importante para fixar o foro competente para as ações judiciais, como uma cobrança.
2. Domicílio Necessário (Legal)
O domicílio necessário é uma imposição legal e não depende da vontade da pessoa. É um rol taxativo previsto em lei. O domicílio é determinado pela lei em razão do cargo exercido ou da condição em que o indivíduo se encontra.
As fontes elencam como pessoas com domicílio necessário:
- O Incapaz: O domicílio é o de seu representante legal.
- O Servidor Público: O domicílio é o lugar onde exerce permanentemente suas funções.
- O Militar (Marítimo ou Força Aérea): O domicílio é o local onde a embarcação ou aeronave estiver ancorada ou, não tendo base fixa, o da sede do comando.
- O Preso: O domicílio é o local da carceragem, cadeia ou penitenciária onde ele se encontra.
3. Domicílio Contratual (Foro de Eleição)
O domicílio contratual é o local especificado pelas partes em contrato escrito para que os direitos e obrigações resultantes daquele negócio sejam exercidos e cumpridos.
- Essa estipulação é comumente conhecida como cláusula de eleição de foro.
- É plenamente possível que as partes escolham um domicílio diferente de suas residências habituais para dirimir conflitos (ex.: pessoas morando em diferentes estados elegem São Paulo).
- Atenção no Exame de Ordem: A eleição de foro é permitida no âmbito do Código Civil (relação entre particulares/iguais). Contudo, no âmbito do Código de Defesa do Consumidor (CDC), essa cláusula de eleição de foro é, via de regra, considerada abusiva se prejudicar o consumidor.
Resumo
A Pessoa Jurídica, enquanto entidade que pode ser titular de direitos e deveres, precisa de um endereço legal que garanta a segurança das relações jurídicas. O domicílio funciona como a ancoragem da pessoa (natural ou jurídica) no mundo do Direito, garantindo a sua individualização e a efetivação da Justiça.
Esquema para fixação: Se a Pessoa Jurídica é como um navio criado pela vontade humana, o registro dos seus atos constitutivos é o lançamento desse navio ao mar (início da personalidade). O Domicílio é o porto oficial de registro desse navio (sua sede jurídica), onde ele deve ser encontrado para prestar contas e de onde parte para cumprir suas obrigações.
