pessoa jurídica e domicílio

Aula 03: Domicílio e Pessoa Jurídica

Continuando nosso estudo da Parte Geral do Código Civil (CC/02), após analisarmos a Pessoa Natural (ou Humana), voltamos nossa atenção para a sua contraparte no ordenamento jurídico: a Pessoa Jurídica.

O Direito precisa regulamentar não apenas o ser humano, mas também as entidades criadas por ele, sendo crucial entender quando elas “nascem” juridicamente e onde elas “vivem” (o domicílio).

I. A Pessoa Jurídica: Conceito e Início da Personalidade

No campo do Direito, pessoa é o ser ou o ente dotado de personalidade. A Pessoa Jurídica (PJ) é uma ficção jurídica, um ente criado pela vontade humana. Numa leitura constitucional, ela é vista como a pessoa não humana.

A. O Conceito de Personalidade Jurídica

A personalidade, em seu sentido civil ou jurídico, é a aptidão genérica e abstrata que o ente possui para ser titular de direitos e deveres na ordem civil. A Pessoa Jurídica tem essa personalidade, o que lhe permite, por exemplo, ser titular de cotas sociais, ser dona de um imóvel ou celebrar contratos.

B. O Início da Existência Legal

Enquanto a personalidade da Pessoa Natural se inicia com o nascimento com vida (Teoria Natalista), o início da personalidade civil da Pessoa Jurídica de Direito Privado é regido pelo registro dos seus atos constitutivos no órgão adequado.

O registro dos atos constitutivos (como o contrato social ou estatuto) é o marco para o nascimento legal da PJ:

  • Se a PJ for empresária (exercer atividade empresarial), o registro é feito na Junta Comercial.
  • Se a PJ for não empresária (como uma fundação ou associação), o registro é feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (RCPJ).

C. Pessoa Jurídica e Direitos da Personalidade

Embora a Pessoa Jurídica possua personalidade civil, ela não é titular de Direitos da Personalidade propriamente ditos. Isso ocorre porque os Direitos da Personalidade são considerados atributos inerentes à condição de ser humano, de índole existencial e não patrimonial.

Contudo, a Pessoa Jurídica possui atributos que se assemelham aos direitos da personalidade da Pessoa Natural, como nome, imagem e reputação.

O CC/02 adota a chamada tutela de empréstimo, determinando que se aplica às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. Ou seja, a tutela existente para a Pessoa Natural pode ser estendida à Pessoa Jurídica de forma adequada e casuística.

  • Dano Moral da PJ: Em prova objetiva, o examinando deve lembrar que a Súmula 227 do STJ estabelece que a Pessoa Jurídica pode sofrer dano moral. A doutrina moderna, contudo, sugere que o termo mais adequado seria dano institucional.

II. Domicílio: A Sede Jurídica da Pessoa

O estudo do domicílio é fundamental, pois ele confere a individualização da pessoa (seja ela natural ou jurídica) e permite que a ordem jurídica a localize para o exercício de direitos e cumprimento de obrigações.

A. Conceito e Finalidade

O domicílio é definido como a sede jurídica da pessoa. É o local onde a pessoa é encontrada, tendo a intenção de ali residir (ânimo definitivo).

É vital saber o domicílio de uma pessoa para a cobrança de obrigações e para definir o foro competente (o local onde se deve entrar com uma ação judicial).

B. Elementos Constitutivos

O domicílio, para ser caracterizado, exige a conjugação de dois elementos:

  1. Elemento Subjetivo (Ânimo): É a intenção (o ânimo) de residir ali, de permanência.
  2. Elemento Objetivo (Estabelecimento): É o estabelecimento efetivo. A pessoa é realmente encontrada naquela localidade.
  • Diferença: O domicílio não se confunde com habitação ou moradia, pois nestes falta o elemento subjetivo, ou seja, o ânimo de permanência ou de ali se estabelecer (ex.: ficar em um hotel durante férias).

C. O Domicílio da Pessoa Jurídica (Sede Principal)

Embora as fontes se concentrem na Pessoa Natural, a regra para a Pessoa Jurídica é a de que seu domicílio é o lugar onde funciona a sua administração ou o seu estabelecimento principal.

  • Observação: Para fins de prova, a sede jurídica da PJ está ligada ao local onde ela exerce suas atividades, onde seus atos são registrados e onde ela cumpre suas obrigações.

III. Classificações do Domicílio

O domicílio pode ser classificado em três tipos principais, que se aplicam em diferentes contextos da vida civil.

1. Domicílio Voluntário (Regra Geral)

O domicílio voluntário é a regra geral e decorre da autonomia da vontade. A pessoa pode escolher onde morar.

  • Regra da Pluralidade de Domicílios: É possível que uma pessoa natural tenha dois ou mais domicílios. Se a pessoa tiver diversas residências onde vive alternadamente, qualquer uma delas será considerada seu domicílio.
  • Exemplo: Uma pessoa que passa seis meses em Curitiba e seis meses em Cuiabá. Ela pode ser demandada em qualquer uma dessas localidades.
  • Regra do Domicílio Sem Residência Fixa: Para a Pessoa Natural que não possua residência habitual (viajantes, ciganos), o domicílio será o lugar onde ela for encontrada. Isso é importante para fixar o foro competente para as ações judiciais, como uma cobrança.

2. Domicílio Necessário (Legal)

O domicílio necessário é uma imposição legal e não depende da vontade da pessoa. É um rol taxativo previsto em lei. O domicílio é determinado pela lei em razão do cargo exercido ou da condição em que o indivíduo se encontra.

As fontes elencam como pessoas com domicílio necessário:

  • O Incapaz: O domicílio é o de seu representante legal.
  • O Servidor Público: O domicílio é o lugar onde exerce permanentemente suas funções.
  • O Militar (Marítimo ou Força Aérea): O domicílio é o local onde a embarcação ou aeronave estiver ancorada ou, não tendo base fixa, o da sede do comando.
  • O Preso: O domicílio é o local da carceragem, cadeia ou penitenciária onde ele se encontra.

3. Domicílio Contratual (Foro de Eleição)

O domicílio contratual é o local especificado pelas partes em contrato escrito para que os direitos e obrigações resultantes daquele negócio sejam exercidos e cumpridos.

  • Essa estipulação é comumente conhecida como cláusula de eleição de foro.
  • É plenamente possível que as partes escolham um domicílio diferente de suas residências habituais para dirimir conflitos (ex.: pessoas morando em diferentes estados elegem São Paulo).
  • Atenção no Exame de Ordem: A eleição de foro é permitida no âmbito do Código Civil (relação entre particulares/iguais). Contudo, no âmbito do Código de Defesa do Consumidor (CDC), essa cláusula de eleição de foro é, via de regra, considerada abusiva se prejudicar o consumidor.

Resumo

A Pessoa Jurídica, enquanto entidade que pode ser titular de direitos e deveres, precisa de um endereço legal que garanta a segurança das relações jurídicas. O domicílio funciona como a ancoragem da pessoa (natural ou jurídica) no mundo do Direito, garantindo a sua individualização e a efetivação da Justiça.

Esquema para fixação: Se a Pessoa Jurídica é como um navio criado pela vontade humana, o registro dos seus atos constitutivos é o lançamento desse navio ao mar (início da personalidade). O Domicílio é o porto oficial de registro desse navio (sua sede jurídica), onde ele deve ser encontrado para prestar contas e de onde parte para cumprir suas obrigações.

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