Prezados alunos e futuras advogadas e advogados, hoje faremos uma aula sobre um tema que é certeza de cair na primeira fase do Exame de Ordem: a Intervenção Estatal na Propriedade Privada.
A chave para gabaritar este tema é entender a natureza jurídica de cada instituto e, principalmente, as regras de indenização e a finalidade específica de cada um.
1. Conceito Geral de Intervenção
A atuação da Administração Pública pressupõe uma superioridade frente aos particulares, ou seja, uma supremacia do interesse público sobre o privado.
A intervenção estatal na propriedade se manifesta de duas formas principais:
- Intervenção Supressiva: Ocorre quando o Estado retira a propriedade do particular, transformando-a em bem público. O único exemplo dessa modalidade é a Desapropriação.
- Intervenção Restritiva: Ocorre quando o Estado impõe limitações ou condições ao uso da propriedade, mas o particular mantém a titularidade. Exemplos incluem a requisição administrativa, a servidão administrativa, a ocupação temporária, a limitação administrativa e o tombamento. A limitação administrativa é, por sua vez, uma restrição imposta em prol da coletividade e decorre do poder de polícia.
2. Desapropriação
A desapropriação é a forma mais drástica de intervenção, sendo a única modalidade supressiva. O Poder Público adquire a propriedade de um bem, mediante o devido processo legal.
2.1. Desapropriação Ordinária (Sem Caráter de Sanção)
Ocorre quando o particular está “todo certo”, cumprindo a função social da propriedade.
- Finalidade: Necessidade ou utilidade pública ou interesse social.
- Indenização: Deve ser justa, prévia e em dinheiro.
- Competência: Qualquer ente pode declarar a desapropriação.
- Discussão Judicial: Na ação de desapropriação, a única discussão possível é o valor do bem ou o vício do processo judicial. Argumentos como desvio de finalidade (vingança pessoal do prefeito, por exemplo) não podem ser alegados na contestação.
2.2. Desapropriação Extraordinária (Com Caráter de Sanção)
Ocorre quando a propriedade não está cumprindo a função social. Possui caráter de sanção.
| Modalidade | Competência | Indenização | Prazo de Resgate dos Títulos |
|---|---|---|---|
| Rural (Imóvel improdutivo) | União | Títulos da Dívida Agrária | Até 20 anos |
| Urbana (Imóvel subutilizado) | Município | Títulos da Dívida Pública | Até 10 anos |
| Confiscatória (Plantação de drogas/trabalho escravo) | União | Sem indenização | N/A |
2.3. Desapropriação Indireta
É um fato administrativo ilegal que ocorre quando o Estado toma a propriedade do particular sem respeitar o devido processo e a indenização justa, prévia e em dinheiro.
- Efeito: O particular é pego de surpresa (como a casa virar um hospital ou hospício).
- Restrição: O bem, uma vez incorporado à Fazenda Pública, não pode ser objeto de reivindicação (não se pode pegar o bem de volta), resolvendo-se a questão em perdas e danos (indenização).
- Prazo Prescricional (Ação Indenizatória):
- 10 anos se houver obras ou serviços realizados no local.
- 15 anos se não houver obras ou serviços realizados no local (novidade e exceção recente do STJ).
2.4. Desapropriação de Bens Públicos
O ente maior pode desapropriar o bem do ente menor, desde que haja autorização legislativa. O menor não pode desapropriar o bem do maior.
Cuidado com as palavras declarar e promover:
- Apenas os entes (União, Estados, DF, Municípios) podem declarar a desapropriação.
- Tanto entes quanto entidades (concessionárias, autarquias) podem promover a desapropriação.
3. Requisição Administrativa
É uma intervenção restritiva.
- Finalidade: Ocorre em caso de iminente perigo público (exemplo: requisição de hospitais privados durante uma pandemia).
- Base Legal: Artigo 5º, inciso XXV, da Constituição Federal.
- Objeto: Pode recair sobre bens móveis, imóveis ou serviços.
- Indenização: É ulterior (posterior), e somente se houver dano. Se o Estado usar o bem (exemplo: pegar uma bicicleta e devolvê-la intacta) e não houver dano, não há indenização.
4. Servidão Administrativa
É uma intervenção restritiva.
- Finalidade: Prestação de um serviço público.
- Natureza: Possui caráter definitivo (ou eterno, enquanto durar o serviço).
- Exemplos: Passagem de fios da rede elétrica, instalação de redes elétricas, implantação de gasodutos ou postes em propriedade particular.
5. Ocupação Temporária
É uma intervenção restritiva.
- Finalidade: Viabilizar obras públicas (exemplo: utilizar um terreno vizinho não edificado para colocar maquinários, betoneira, tijolos e cimento).
- Natureza: É temporária.
- Indenização: Indenizada ao final (final) por ação própria se houver dano, mas não por se tratar de iminente perigo público.
6. Tombamento
É uma intervenção restritiva.
- Finalidade: Preservação do patrimônio cultural (histórico e artístico).
- Natureza: O proprietário continua sendo dono do bem.
- Competência: Pode ser realizado pela União, Estados ou Municípios.
- Indenização: Não é precedida de indenização prévia e justa, pois é uma restrição, e não uma perda da propriedade.
- Obrigações do Proprietário: O proprietário não pode demolir, destruir ou mutilar o bem. Para pintar ou restaurar, necessita de autorização. Se o proprietário comprovar não ter condições financeiras para arcar com os custos de recuperação, a obra fica às expensas do ente público (por exemplo, a União).
- Direito de Preferência: O direito de preferência dos entes públicos para a aquisição de bens tombados não se aplica mais.
- Vizinhos: Imóveis vizinhos não podem ter construções que impossibilitem ou diminuam a visibilidade do bem tombado.
Esquema Final e Dica Mnemônica
Para fixar as intervenções restritivas (com foco na finalidade):
| Intervenção | Finalidade / Gatilho OAB | Indenização | Natureza |
|---|---|---|---|
| Requisição Adm. | Iminente Perigo Público | Posterior, se houver dano | Temporária |
| Servidão Adm. | Prestação de Serviço Público (ex: postes, fiação) | Sim (se houver prejuízo) | Definitiva (enquanto durar) |
| Ocupação Temp. | Viabilizar Obras Públicas (ex: maquinário em terreno vizinho) | Ulterior (posterior), se houver dano | Temporária |
| Tombamento | Preservação do Patrimônio Cultural | Não | Restritiva |
Esquema para Entendimento:
Pense na propriedade privada como um bolo.
- Na Desapropriação, o Estado pega o bolo inteiro (intervenção supressiva).
- Na Requisição Administrativa, o Estado pega o bolo emprestado às pressas porque há um incêndio na festa (perigo iminente), mas devolve depois, pagando só se estragar.
- Na Servidão Administrativa, o Estado apenas coloca um canudo fixo atravessando o bolo para chupar um suco de cima a baixo (uso definitivo e restritivo).
- Na Ocupação Temporária, o Estado usa um pedaço do lado da mesa para apoiar as ferramentas da festa (uso temporário para viabilizar a obra).
- No Tombamento, o Estado coloca um aviso no bolo dizendo que ele é tão bonito que ninguém pode mudar a cobertura ou derrubá-lo (restrição de uso para preservar a estética/cultura).
