Em uma decisão que reacende o debate sobre o acesso a tratamentos de alto custo no Brasil, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou que a União forneça o medicamento Zolgensma, conhecido por seu elevado preço, a uma criança diagnosticada com atrofia muscular espinhal (AME) tipo 2.
A decisão, proferida no dia 30 de janeiro de 2025, obriga o governo federal a arcar com os custos de um tratamento que pode ultrapassar os R$ 6 milhões, um valor que o torna o remédio mais caro do mundo. A determinação judicial surge em meio a discussões sobre a incorporação de novos tratamentos no Sistema Único de Saúde (SUS) e a judicialização da saúde no país.
O caso em questão envolve uma criança de um ano e dez meses de idade, que sofre de AME, uma doença rara e degenerativa que causa perda progressiva dos movimentos. O Zolgensma, medicamento de dose única, representa uma esperança de melhora na qualidade de vida desses pacientes, mas seu alto custo o torna inacessível para a maioria da população. A decisão de Gilmar Mendes mantém uma liminar que já havia sido concedida pela 21ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, que exigia o fornecimento do remédio pela União.
A Disputa Judicial e os Critérios do STF
A União, por sua vez, recorreu ao STF, argumentando que a decisão de primeira instância contrariava os critérios estabelecidos pelo próprio tribunal para o fornecimento de medicamentos não incluídos no SUS. O STF já havia definido que, em casos de medicamentos não listados no SUS, o fornecimento só pode ocorrer por decisão judicial em situações excepcionais, desde que o medicamento possua registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que outros requisitos sejam atendidos.
Entre esses critérios, o STF exige a comprovação da negativa administrativa, ou seja, que o paciente teve seu pedido de acesso ao medicamento negado pelo SUS, e a incapacidade financeira para arcar com o tratamento. Além disso, o medicamento precisa ser comprovadamente eficaz, seguro, imprescindível e insubstituível. Os magistrados também são orientados a consultar órgãos técnicos antes de tomar decisões sobre o fornecimento de remédios.
Um ponto crucial na discussão é o papel da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Segundo a tese do STF, para conseguir o medicamento via judicialização, o paciente deve demonstrar que solicitou a incorporação do medicamento no SUS e teve o pedido negado, que a Conitec está demorando para analisar o caso, ou que a comissão negou a incorporação de forma ilegal.
A Decisão de Gilmar Mendes e a Crítica à Conitec
Ao analisar o caso, o ministro Gilmar Mendes concluiu que todos os requisitos foram cumpridos, inclusive no que diz respeito à atuação da Conitec. O ministro criticou a decisão da comissão de restringir a incorporação do Zolgensma apenas a pacientes com até seis meses de idade com AME tipo 1, a forma mais grave da doença. Para Gilmar Mendes, essa restrição é ilegal, já que a Anvisa aprovou o registro do medicamento para crianças de até dois anos.
O ministro se baseou em um relatório médico que apontou novos estudos sobre a eficácia e segurança do Zolgensma para crianças de até dois anos com AME tipo 2. “Nesse cenário, não mais se sustentam, ou pelo menos merecem revisitação, os argumentos apresentados pela Conitec”, afirmou o ministro em sua decisão. Gilmar Mendes determinou que sua decisão seja encaminhada à Conitec para que o órgão reavalie a inclusão do medicamento no SUS.
Implicações e Debate sobre o Acesso a Medicamentos
A decisão de Gilmar Mendes reacende o debate sobre o acesso a medicamentos de alto custo no Brasil e a necessidade de revisão dos processos de incorporação de novas tecnologias no SUS. A judicialização da saúde, embora possa garantir o acesso a tratamentos para alguns pacientes, também coloca pressão sobre o orçamento público e levanta questões sobre equidade.
O caso do Zolgensma é emblemático porque demonstra o dilema entre a necessidade de garantir o direito à saúde e a sustentabilidade do sistema público. O medicamento, que representa uma esperança para pacientes com AME, tem um custo proibitivo e sua incorporação no SUS poderia gerar um impacto financeiro significativo.
A decisão do STF também tem implicações para a atuação dos juízes em casos de judicialização da saúde. Eles devem seguir os critérios estabelecidos pelo tribunal, como a comprovação da negativa administrativa e a necessidade de análise pela Conitec. A consulta a órgãos técnicos também é fundamental para garantir que as decisões judiciais sejam baseadas em evidências científicas.
Outros Casos e a Tese do STF
A decisão de Gilmar Mendes não é um caso isolado. O STF tem se dedicado a definir critérios para o fornecimento de medicamentos fora do SUS, em resposta ao aumento da judicialização da saúde. O tribunal já definiu que, em casos de medicamentos não listados no SUS, o fornecimento só pode ocorrer por decisão judicial em situações excepcionais, desde que o medicamento possua registro na Anvisa e que outros requisitos sejam atendidos.
O caso do Zolgensma também destaca a necessidade de se discutir a questão da incorporação de novas tecnologias no SUS. Os processos de análise da Conitec precisam ser mais céleres e transparentes, para que os pacientes não precisem recorrer à Justiça para ter acesso a tratamentos que podem salvar suas vidas. A decisão de Gilmar Mendes, ao obrigar a União a fornecer o medicamento e solicitar uma revisão da decisão da Conitec, representa um passo importante nesse debate.
Resumindo
- A decisão de Gilmar Mendes obriga a União a fornecer o Zolgensma para uma criança com AME.
- O Zolgensma é considerado o medicamento mais caro do mundo.
- A decisão reacende o debate sobre o acesso a tratamentos de alto custo no SUS.
- A Conitec restringiu a incorporação do Zolgensma, mas o ministro considerou essa restrição ilegal.
- O STF estabeleceu critérios para o fornecimento de medicamentos não listados no SUS.
- A decisão de Gilmar Mendes exige uma reavaliação da Conitec sobre a incorporação do Zolgensma.