posse e propriedade

Aula 12: Possa e Propriedade

A distinção entre Posse e Propriedade é o pilar do Direito das Coisas e uma das maiores fontes de dúvidas, mas também de questões certas no Exame de Ordem. A Posse é uma relação de fato, enquanto a Propriedade é o direito real por excelência.

I. A Propriedade: O Direito Real Matriz

A propriedade é o primeiro direito real listado no rol taxativo do Artigo 1.225 do Código Civil (CC). É considerada o direito real matriz, sendo o mais forte e protegido dentro do ordenamento jurídico.

A propriedade é o único direito real sobre coisa própria. Quando o proprietário transfere um ou mais elementos desse direito a terceiros, surge um direito real sobre coisa alheia (ex: usufruto).

A. Elementos Constitutivos da Propriedade (Art. 1.228 CC)

O proprietário tem a propriedade plena quando concentra em si todos os quatro elementos:

  1. Direito de Usar (Jus Utendi): É a faculdade de utilizar o bem livremente (ex: utilizar um imóvel para moradia). O uso deve respeitar a Função Social da Propriedade.
  2. Direito de Gozar/Fruir (Jus Fruendi): É o poder de usufruir dos frutos da coisa (ex: obter aluguéis de um imóvel).
  3. Direito de Dispor (Jus Abutendi): É o direito mais forte. Permite transferir a propriedade, vender, doar ou até destruir a coisa. Quem tem o direito de dispor é o proprietário.
  4. Direito de Reaver/Sequela (Rei Vindicatio): É o direito de reivindicar o bem do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Para a Ação Reivindicatória (ação de propriedade), são necessários três elementos: a titularidade do domínio, a individualização da coisa e a posse injusta do réu.

B. Aquisição da Propriedade (Direito Real)

O contrato (ex: de compra e venda) sozinho está no campo do direito obrigacional e não transfere a propriedade.

A aquisição da propriedade a título de direito real ocorre com a Tradição (para bens móveis) ou com a Escritura Pública mediante o Registro (para bens imóveis). Para imóveis de valor superior a 30 salários mínimos, é obrigatória a Escritura Pública.

Atenção: “Dono não é quem registra” é incorreto para imóveis. A regra geral é que quem tem o Registro, tem o domínio e a proteção daquele imóvel.

II. A Posse: O Exercício de Fato

A Posse está disposta nos artigos 1.196 a 1.224 do CC. A Posse não é um direito real, sendo classificada como um fato jurídico.

A. Teoria Objetiva e os Poderes Inerentes

O Direito Civil brasileiro adota a Teoria Objetiva, segundo a qual se considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade.

O possuidor exerce alguns poderes de propriedade, mas não todos. Por exemplo, um locatário (possuidor) pode usar o imóvel, mas não pode dispor dele, pois não é o proprietário.

  • Posse Direta e Indireta: O proprietário (locador) que cede a coisa (ex: aluga) permanece com a posse indireta (domínio), e o locatário tem a posse direta.
  • Regra Fundamental: Todo proprietário é possuidor, mas nem todo possuidor é proprietário.

B. Classificação da Posse e Seus Efeitos

A classificação da posse é crucial para definir o cabimento da usucapião e os direitos do possuidor (indenizações por benfeitorias, frutos etc.).

B. Classificação da Posse e Seus Efeitos – O Fato Jurídico e suas Consequências

A Posse, no Direito Civil brasileiro, é um instituto crucial que, pela teoria objetiva, é conceituada como um fato jurídico, sendo possuidor todo aquele que exerce de fato o poder, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Embora o direito real de propriedade inclua a posse, a posse por si só não é considerada um direito real. A correta classificação da posse é essencial, pois suas categorias determinam os efeitos jurídicos que serão produzidos, especialmente em relação à aquisição da propriedade (usucapião) e ao direito a indenizações (benfeitorias).

Classificações da Posse

A posse pode ser classificada sob diferentes óticas:

  1. Quanto à Posição do Possuidor (Desdobramento):
    • Posse Direta: Ocorre quando aquele que não é o dono (proprietário) está usufruindo da propriedade, como no caso do locatário, que mora no imóvel, mas não possui o domínio. O possuidor direto pode usar e gozar do bem, mas não pode dispor ou alienar.
    • Posse Indireta: O proprietário detém o domínio (registro) do bem, mas concede ao possuidor direto o direito de possuí-lo temporariamente, permanecendo apenas com a posse indireta. O locador (proprietário) é um exemplo de possuidor indireto.
  2. Quanto à Qualidade (Vício Objetivo): Esta classificação verifica a forma como a posse foi adquirida.
    • Posse Injusta: É aquela adquirida por meio de um vício objetivo, sendo classificada como:
      • Violenta: Adquirida por meio do uso da força, física, moral ou resultante de ameaças.
      • Clandestina: Adquirida por via de um processo de ocultamento, sendo um defeito relativo que só pode ser acusado pela vítima.
      • Precária: Ocorre quando o direito de possuir a coisa já não existe mais (e.g., um comodato findo), mas aquele que a possui se recusa a restituí-la, abusando da confiança.
    • Posse Justa: É aquela que se estabelece de maneira oposta aos vícios objetivos, ou seja, é não violenta, não clandestina e não precária. É caracterizada por ser pública, mansa e pacífica (ou sem oposição).
  3. Quanto ao Conhecimento (Vício Subjetivo): Esta classificação considera a intenção ou o conhecimento do possuidor sobre o obstáculo que impede sua posse.
    • Posse de Boa-fé: O possuidor não tem conhecimento de que sua posse gera um obstáculo (ignorância do obstáculo).
    • Posse de Má-fé: O possuidor sabe da existência do obstáculo (conhecimento), mas possui o bem do mesmo jeito. O conhecimento do vício subjetivo é fundamental para essa distinção.

Efeitos da Posse e Repercussões Legais

As classificações da posse determinam as consequências jurídicas que o possuidor pode esperar:

A boa-fé e a má-fé são importantes para a definição dos efeitos da posse, como o direito à indenização por benfeitorias ou a retenção de frutos. Por exemplo, em uma ação de reintegração de posse, o direito à indenização será determinado pela boa-fé ou má-fé do possuidor, e não pela sua posse justa ou injusta..

Em Relação à Usucapião (Posse Justa vs. Injusta):

A distinção entre posse justa e injusta serve para definir se cabe ou não a usucapião. A posse injusta (violenta, clandestina ou precária) não permite a aquisição da propriedade por usucapião.

A posse justa (pública, mansa e pacífica) é um dos elementos primários necessários para a usucapião.

Em Relação ao Prazo de Usucapião (Boa-fé vs. Má-fé):

Embora a posse de má-fé possa levar à usucapião (desde que seja justa, ou seja, pública, mansa e pacífica), a boa-fé ou má-fé do possuidor tem impacto direto no prazo de aquisição. A posse de má-fé exige um prazo de usucapião maior, como os 15 anos previstos no Art. 1238 do Código Civil.

Em Relação à Indenização e Frutos (Boa-fé vs. Má-fé):

A boa-fé e a má-fé são importantes para a definição dos efeitos da posse, como o direito à indenização por benfeitorias ou a retenção de frutos. Por exemplo, em uma ação de reintegração de posse, o direito à indenização será determinado pela boa-fé ou má-fé do possuidor, e não pela sua posse justa ou injusta

A. Usucapião de Bens Imóveis

O Usucapião de bens imóveis permite a aquisição da propriedade.

  • Prazo Mínimo Absoluto: O lapso temporal mínimo exigido por lei é de dois anos (no caso da Usucapião Familiar, Art. 1.240-A).
  • Posse de Má-fé: O Usucapião cabe na posse de má-fé, mas o prazo pode ir até 15 anos (Usucapião Extraordinária, Art. 1.238 CC).

B. Usucapião de Bens Móveis

Existem duas espécies:

  1. Usucapião Ordinária (Art. 1.260 CC): 3 anos de posse, exige justo título e boa-fé.
  2. Usucapião Extraordinária (Art. 1.261 CC): 5 anos de posse, dispensa justo título e boa-fé.
  • Caso Especial (Bem Furtado): É possível usucapir um bem móvel furtado mediante a Usucapião Extraordinária. Contudo, o prazo de cinco anos só começa a ser contabilizado a partir da prescrição da pretensão punitiva do crime de furto (Art. 155 do CP), pois o possuidor antes disso não possui o animus domini (intenção de dono).

IV. Riscos e Responsabilidade: A Regra do Res Perit Domino

Um ponto de conexão entre posse, propriedade e obrigações é a distribuição do risco de perda da coisa.

  • Regra Geral (Res Perit Domino): O risco de perdimento da coisa pertence ao dono (domino).
  • Responsabilidade na Compra e Venda: Até a tradição (entrega), a responsabilidade pela coisa é do devedor (vendedor), que ainda é o proprietário. Após a entrega, o risco é transferido ao comprador.

Exemplo: Se um carro é vendido, e o vendedor ainda não o entregou ao comprador, e o carro é atingido por uma enchente (perecimento sem culpa), o contrato se resolve e o vendedor devolve o dinheiro ao comprador (pois a responsabilidade era do devedor/proprietário até a entrega, e o credor sofre a perda).

Esquema para fixação:

Se a Propriedade é o título de nobreza que lhe dá o direito formal (o Registro) e completo de governar o seu feudo (o bem), a Posse é apenas a ocupação de fato desse feudo. Você pode ser um administrador (possuidor) sem ser o nobre (proprietário). O Usucapião é a única forma de o administrador, por meio de uma ocupação longa e pacífica (posse justa), reclamar o título de nobreza para si, estabilizando a situação jurídica pelo fator tempo.

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