intervenção estatal na propriedade

Aula 09: Intervenção Estatal na Propriedade

Prezados alunos e futuras advogadas e advogados, hoje faremos uma aula sobre um tema que é certeza de cair na primeira fase do Exame de Ordem: a Intervenção Estatal na Propriedade Privada.

A chave para gabaritar este tema é entender a natureza jurídica de cada instituto e, principalmente, as regras de indenização e a finalidade específica de cada um.

1. Conceito Geral de Intervenção

A atuação da Administração Pública pressupõe uma superioridade frente aos particulares, ou seja, uma supremacia do interesse público sobre o privado.

A intervenção estatal na propriedade se manifesta de duas formas principais:

  1. Intervenção Supressiva: Ocorre quando o Estado retira a propriedade do particular, transformando-a em bem público. O único exemplo dessa modalidade é a Desapropriação.
  2. Intervenção Restritiva: Ocorre quando o Estado impõe limitações ou condições ao uso da propriedade, mas o particular mantém a titularidade. Exemplos incluem a requisição administrativa, a servidão administrativa, a ocupação temporária, a limitação administrativa e o tombamento. A limitação administrativa é, por sua vez, uma restrição imposta em prol da coletividade e decorre do poder de polícia.

2. Desapropriação

A desapropriação é a forma mais drástica de intervenção, sendo a única modalidade supressiva. O Poder Público adquire a propriedade de um bem, mediante o devido processo legal.

2.1. Desapropriação Ordinária (Sem Caráter de Sanção)

Ocorre quando o particular está “todo certo”, cumprindo a função social da propriedade.

  • Finalidade: Necessidade ou utilidade pública ou interesse social.
  • Indenização: Deve ser justa, prévia e em dinheiro.
  • Competência: Qualquer ente pode declarar a desapropriação.
  • Discussão Judicial: Na ação de desapropriação, a única discussão possível é o valor do bem ou o vício do processo judicial. Argumentos como desvio de finalidade (vingança pessoal do prefeito, por exemplo) não podem ser alegados na contestação.

2.2. Desapropriação Extraordinária (Com Caráter de Sanção)

Ocorre quando a propriedade não está cumprindo a função social. Possui caráter de sanção.

ModalidadeCompetênciaIndenizaçãoPrazo de Resgate dos Títulos
Rural (Imóvel improdutivo)UniãoTítulos da Dívida AgráriaAté 20 anos
Urbana (Imóvel subutilizado)MunicípioTítulos da Dívida PúblicaAté 10 anos
Confiscatória (Plantação de drogas/trabalho escravo)UniãoSem indenizaçãoN/A

2.3. Desapropriação Indireta

É um fato administrativo ilegal que ocorre quando o Estado toma a propriedade do particular sem respeitar o devido processo e a indenização justa, prévia e em dinheiro.

  • Efeito: O particular é pego de surpresa (como a casa virar um hospital ou hospício).
  • Restrição: O bem, uma vez incorporado à Fazenda Pública, não pode ser objeto de reivindicação (não se pode pegar o bem de volta), resolvendo-se a questão em perdas e danos (indenização).
  • Prazo Prescricional (Ação Indenizatória):
    • 10 anos se houver obras ou serviços realizados no local.
    • 15 anos se não houver obras ou serviços realizados no local (novidade e exceção recente do STJ).

2.4. Desapropriação de Bens Públicos

O ente maior pode desapropriar o bem do ente menor, desde que haja autorização legislativa. O menor não pode desapropriar o bem do maior.

Cuidado com as palavras declarar e promover:

3. Requisição Administrativa

É uma intervenção restritiva.

  • Finalidade: Ocorre em caso de iminente perigo público (exemplo: requisição de hospitais privados durante uma pandemia).
  • Base Legal: Artigo 5º, inciso XXV, da Constituição Federal.
  • Objeto: Pode recair sobre bens móveis, imóveis ou serviços.
  • Indenização: É ulterior (posterior), e somente se houver dano. Se o Estado usar o bem (exemplo: pegar uma bicicleta e devolvê-la intacta) e não houver dano, não há indenização.

4. Servidão Administrativa

É uma intervenção restritiva.

  • Finalidade: Prestação de um serviço público.
  • Natureza: Possui caráter definitivo (ou eterno, enquanto durar o serviço).
  • Exemplos: Passagem de fios da rede elétrica, instalação de redes elétricas, implantação de gasodutos ou postes em propriedade particular.

5. Ocupação Temporária

É uma intervenção restritiva.

  • Finalidade: Viabilizar obras públicas (exemplo: utilizar um terreno vizinho não edificado para colocar maquinários, betoneira, tijolos e cimento).
  • Natureza: É temporária.
  • Indenização: Indenizada ao final (final) por ação própria se houver dano, mas não por se tratar de iminente perigo público.

6. Tombamento

É uma intervenção restritiva.

  • Finalidade: Preservação do patrimônio cultural (histórico e artístico).
  • Natureza: O proprietário continua sendo dono do bem.
  • Competência: Pode ser realizado pela União, Estados ou Municípios.
  • Indenização: Não é precedida de indenização prévia e justa, pois é uma restrição, e não uma perda da propriedade.
  • Obrigações do Proprietário: O proprietário não pode demolir, destruir ou mutilar o bem. Para pintar ou restaurar, necessita de autorização. Se o proprietário comprovar não ter condições financeiras para arcar com os custos de recuperação, a obra fica às expensas do ente público (por exemplo, a União).
  • Direito de Preferência: O direito de preferência dos entes públicos para a aquisição de bens tombados não se aplica mais.
  • Vizinhos: Imóveis vizinhos não podem ter construções que impossibilitem ou diminuam a visibilidade do bem tombado.

Esquema Final e Dica Mnemônica

Para fixar as intervenções restritivas (com foco na finalidade):

IntervençãoFinalidade / Gatilho OABIndenizaçãoNatureza
Requisição Adm.Iminente Perigo PúblicoPosterior, se houver danoTemporária
Servidão Adm.Prestação de Serviço Público (ex: postes, fiação)Sim (se houver prejuízo)Definitiva (enquanto durar)
Ocupação Temp.Viabilizar Obras Públicas (ex: maquinário em terreno vizinho)Ulterior (posterior), se houver danoTemporária
TombamentoPreservação do Patrimônio CulturalNãoRestritiva

Esquema para Entendimento:

Pense na propriedade privada como um bolo.

  • Na Desapropriação, o Estado pega o bolo inteiro (intervenção supressiva).
  • Na Requisição Administrativa, o Estado pega o bolo emprestado às pressas porque há um incêndio na festa (perigo iminente), mas devolve depois, pagando só se estragar.
  • Na Servidão Administrativa, o Estado apenas coloca um canudo fixo atravessando o bolo para chupar um suco de cima a baixo (uso definitivo e restritivo).
  • Na Ocupação Temporária, o Estado usa um pedaço do lado da mesa para apoiar as ferramentas da festa (uso temporário para viabilizar a obra).
  • No Tombamento, o Estado coloca um aviso no bolo dizendo que ele é tão bonito que ninguém pode mudar a cobertura ou derrubá-lo (restrição de uso para preservar a estética/cultura).

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