atos unilaterais

Aula 08: Atos Unilaterais

Em nossa jornada pelo Direito Civil Patrimonial, focamos agora nos Atos Unilaterais (também chamados de declaração unilateral de vontade), que são uma das fontes de obrigações resultantes da manifestação de vontade de apenas uma pessoa.

O Código Civil (CC) trata deste tema em título à parte, separado dos contratos em espécie, a partir do artigo 854. O ato unilateral se forma no momento em que o indivíduo se manifesta com a intenção de se obrigar, independentemente de uma relação de crédito pré-existente.

As espécies de Atos Unilaterais previstas no Código Civil são quatro, e o domínio de seus artigos (854 a 886) é essencial para a sua prova:

  1. Promessa de Recompensa.
  2. Gestão de Negócios.
  3. Pagamento Indevido.
  4. Enriquecimento Sem Causa.

I. Promessa de Recompensa (Arts. 854 a 860, CC)

A Promessa de Recompensa é a declaração de vontade feita mediante anúncio público (imprensa, internet, cartazes), pela qual alguém se compromete a gratificar ou recompensar quem preencha uma condição ou execute um serviço.

1. Obrigatoriedade e Credor

A promessa se torna obrigatória para quem a fez no instante em que se torna pública, e isso ocorre independentemente do consentimento ou anuência do eventual credor, pois a promessa é dirigida a pessoa indeterminada.

Quem executar o serviço ou satisfizer a condição, ainda que não pelo interesse da promessa, pode exigir a recompensa estipulada (Art. 855). O prêmio pode ser dinheiro, um troféu, a entrega de um bem (como um veículo ou animal).

2. Revogação e Prazo

O promitente pode revogar a promessa antes de prestado o serviço ou preenchida a condição, contanto que o faça com a mesma publicidade com que fez a promessa. Uma vez revogada, o promitente fica isento de qualquer responsabilidade.

ATENÇÃO: Se houver sido fixado um prazo para a execução da tarefa, entende-se que o promitente renuncia ao arbítrio de retirar a oferta durante ele. A promessa torna-se, portanto, irrevogável durante a vigência do prazo.

  • Reembolso (Boa-Fé): O candidato que agiu de boa-fé e realizou despesas na execução da tarefa divulgada, se a promessa for revogada, tem direito a ser reembolsado dessas despesas. Esse reembolso evita o enriquecimento indevido do promitente.

3. Execução por Vários Indivíduos (Concurso)

  1. Ordem de Execução: Se o ato for praticado por mais de um indivíduo, a recompensa caberá ao que primeiro o executou integralmente (Art. 857).
  2. Execução Simultânea: Se a execução for simultânea, a cada um tocará quinhão igual na recompensa, se esta for divisível (Art. 858).
  3. Recompensa Indivisível: Se a recompensa for indivisível (ex: um automóvel), a decisão se dará por sorteio. Aquele que for contemplado no sorteio fica obrigado a dar ao outro concorrente o valor do seu quinhão.
  • Concursos (Art. 859): Nos concursos, é condição essencial para a sua validade a fixação de um prazo. As obras premiadas só ficarão pertencendo ao promitente se isso for estipulado expressamente na publicação da promessa.

II. Gestão de Negócios (Arts. 861 a 875, CC)

A Gestão de Negócios ocorre quando uma pessoa, sem autorização do interessado, intervém na administração de negócio alheio.

  • Conceito Amplo: O termo “negócios” não é restrito ao sentido comercial, referindo-se genericamente a um interesse ou assunto. Por exemplo, pode ser providenciar um guincho para tirar o veículo de um terceiro de um incêndio ou pagar a mensalidade escolar de um colega do filho que está impossibilitado.

1. Elementos Essenciais

São três os elementos essenciais para a configuração da gestão de negócios:

  1. Administração de negócio alheio.
  2. Atuação por conta do dono do negócio (com o objetivo de proteger o interesse do ausente).
  3. Falta de autorização (atos praticados no desempenho de um mandato, por exemplo, não se caracterizam como gestão de negócios).

2. Deveres e Responsabilidades do Gestor

O gestor deve dirigir o negócio segundo o interesse e a vontade presumível do seu dono.

  • Responsabilidade por Prejuízo: O gestor torna-se responsável perante o dono. Se as ações forem praticadas contra a vontade expressa ou tácita do interessado, o gestor responde pelos prejuízos que causar. A responsabilidade se estende, inclusive, a prejuízos decorrentes de caso fortuito, exceto se provar que o dano teria ocorrido ainda que não tivesse agido.
  • Gestão Prejudicial (Art. 863): Havendo prejuízos, o dono pode exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior (status quo ante) ou que o indenize da diferença.
  • Diligência: O gestor deve agir com toda a diligência habitual.

3. Obrigações do Dono do Negócio

Se o negócio for utilmente administrado, o dono é obrigado a:

  1. Cumprir as obrigações contraídas em seu nome pelo gestor.
  2. Reembolsar o gestor pelas despesas necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais desde o desembolso.
  3. Responder pelos prejuízos que o gestor houver sofrido por causa da gestão.

4. Disposições Especiais

  • Gestão Alimentar (Art. 871): Quem, na ausência do indivíduo obrigado, prestar alimentos, poderá reaver a importância do devedor, ainda que este não ratifique o ato.
  • Ratificação (Art. 873): A ratificação pura e simples do dono do negócio retroage ao dia do começo da gestão e produz todos os efeitos do mandato.
  • Conexão de Negócios (Art. 875): Se os negócios alheios forem conexos aos do gestor, de modo que não possam ser geridos separadamente, haver-se-á o gestor por sócio (comunhão de interesses) e o dono só será obrigado na razão das vantagens que lograr.

III. Pagamento Indevido (Arts. 876 a 883, CC)

O Pagamento Indevido é uma das formas de enriquecimento ilícito.

1. Obrigação de Restituir e Prova

Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir (Art. 876). Isso gera o direito de repetição (direito de exigir a devolução).

  • Ônus da Prova: Aquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro. A comprovação do erro é essencial para haver a devolução.

2. Efeitos da Boa-Fé e Má-Fé

Os frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações da coisa dada em pagamento indevido aplicam-se as regras sobre o possuidor de boa ou de má-fé (Arts. 1214 a 1222):

  • Boa-fé: Deve restituir o que recebeu, mas tem direito a conservar os frutos percebidos e a ser indenizado pelas benfeitorias úteis e necessárias, podendo exercer o direito de retenção.
  • Má-fé: Deve restituir tudo, incluindo os frutos percebidos e o valor recebido. Responde pela perda ou deterioração do bem, mesmo que decorrente de caso fortuito ou força maior (exceto se provar que teria ocorrido de qualquer modo).

3. Irrepetibilidade do Pagamento

Não se pode repetir (pedir de volta) o que se pagou para:

  • Solver dívida prescrita (embora a dívida prescrita mantenha o direito material, se paga, não é restituível).
  • Cumprir obrigação judicialmente inexigível (obrigação natural, como dívida de jogo ou aposta).
  • Obter fim ilícito, imoral ou proibido por lei (o valor dado reverte em favor de estabelecimento de beneficência).

IV. Enriquecimento Sem Causa (Arts. 884 a 886, CC)

O enriquecimento sem causa, ou locupletamento à custa alheia, é o princípio geral de que ninguém pode enriquecer à custa de outrem sem uma causa que o justifique.

1. Conceito e Subsidariedade

A lei exige que haja um acréscimo patrimonial sem o respaldo de um negócio jurídico ou da lei.

  • Natureza Subsidiária: As regras sobre enriquecimento sem causa são de natureza genérica. Elas são aplicáveis apenas se não existir uma fórmula específica na lei para a proteção da pessoa prejudicada. O pagamento indevido, por exemplo, é uma espécie de enriquecimento sem causa que possui regras próprias.

2. Requisitos e Restituição

São requisitos para configurar o enriquecimento sem causa:

  1. Enriquecimento à custa de outrem.
  2. Ausência de justa causa que justifique o aumento do patrimônio.

A ausência de justa causa pode ser inicial (nunca houve causa) ou pode ocorrer se esta deixou de existir (causa superveniente, Art. 885).

  • Restituição: Quem recebeu é obrigado a restituir o indevidamente auferido. Se o objeto for coisa determinada, deve ser devolvida. Se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigida.

Síntese Final dos Atos Unilaterais:

Os Atos Unilaterais são manifestações de vontade individual que criam obrigações por determinação legal. O estudo dessas quatro espécies (Promessa, Gestão, Pagamento Indevido, Enriquecimento) exige a compreensão da distinção entre elas, sendo o Enriquecimento Sem Causa o princípio subsidiário que serve de base para os demais, e o Pagamento Indevido a sua forma mais comum e específica.

Esquema para fixação: Se o Negócio Jurídico é um acordo bilateral, como um aperto de mãos firme entre dois, os Atos Unilaterais são como um mega-fone. Uma pessoa fala (Promessa de Recompensa, Gestão, Pagamento ou Enriquecimento) e, por determinação da lei, essa única voz cria obrigações jurídicas para si ou para terceiros, estabilizando as relações mesmo sem um consenso inicial.

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