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Aula 05: Fatos, Atos e Negócios Jurídicos

A Teoria dos Fatos Jurídicos é o marco zero do Direito Civil, pois estuda os acontecimentos que geram relevância para o ordenamento jurídico.

Sem um fato jurídico, o Direito Civil não é acionado. Nesta aula, dissecaremos os pilares dessa teoria, focando na manifestação da vontade humana (Atos e Negócios Jurídicos) e suas consequências, incluindo os Atos Ilícitos.

I. Fatos Jurídicos: O Acontecimento Relevante

Fato Jurídico é todo acontecimento relevante para o ordenamento jurídico, que produz efeitos no mundo do Direito, como é o caso da paternidade ou da morte.

A. Classificação Primária: Fatos Naturais vs. Fatos Humanos

A doutrina classifica os fatos jurídicos de acordo com a sua origem:

  1. Fatos Jurídicos Naturais: Acontecimentos que ocorrem sem a intervenção da vontade humana.
  • Ordinários: Acontecem sem serem motivados por força maior ou caso fortuito. Exemplos são o nascimento e a morte (o homicídio é um fato humano, mas a morte é a consequência natural dele).
  • Extraordinários: Decorrem de caso fortuito ou força maior (Ex.: uma tempestade).
  1. Fatos Jurídicos Humanos: Acontecimentos que resultam da intervenção da vontade humana. Podem ser Lícitos (em conformidade com o ordenamento) ou Ilícitos (contrários ao ordenamento).

II. Fatos Jurídicos Humanos Lícitos (A Classificação Tríplice)

Os fatos jurídicos humanos lícitos são classificados em três grupos cruciais para a OAB:

1. Atos Jurídicos em Sentido Estrito (ou Fatos Jurídicos em Sentido Estrito)

São aqueles atos lícitos em que os seus efeitos não dependem da vontade do homem.

  • Efeitos Ex Lege: Os seus efeitos estão previstos de forma unilateral em lei. A autonomia da vontade fica, em regra, afastada.
  • Exemplos:Maioridade: Atingidos os 18 anos, a lei estabelece de forma automática e unilateral os efeitos da capacidade.
  • Mudança de Domicílio: A mudança de residência com ânimo definitivo acarreta a mudança de domicílio de forma automática, conforme a lei.

2. Negócios Jurídicos

São a principal forma de manifestação da vontade qualificada no Direito Civil.

  • Efeitos Ex Voluntate: Os efeitos do negócio jurídico dependem da manifestação de vontade qualificada das partes.
  • Finalidade: Possuem a finalidade negocial, permitindo múltiplos efeitos possíveis de acordo com a vontade das partes (Ex.: contrato de compra e venda, locação, doação, empréstimo, permuta, alienação, obrigação de fazer, de dar, de entregar).
  • Venda, Troca, Alienação: O Negócio Jurídico frequentemente envolve uma transação, como a venda, troca, ou a entrega de um patrimônio.

3. Ato Fato Jurídico

São atos em que não se observa a manifestação de vontade, a intenção, a competência, nem a capacidade.

  • Eficácia Jurídica: Possuem eficácia jurídica independentemente de o agente ter 18 anos, da intenção ou da manifestação de vontade.
  • Proteção do Menor: Essa classificação é crucial para não anular contratos simples, pois um ato praticado por um absolutamente incapaz é nulo, salvo o ato fato jurídico.
  • Exemplos: A criança que vai até a cantina da escola e compra um lanche, chiclete ou pipoca. O ato é válido porque não há prejuízo para o menor.
  • Atos Extintivos: Atos de natureza extintiva, como a decadência e a prescrição, também se encaixam no conceito de ato fato jurídico.

III. Negócios Jurídicos: Elementos de Validade (Art. 104, CC)

Para que o Negócio Jurídico seja válido, ele precisa conter elementos essenciais, frequentemente resumidos no mnemônico “CAFE” (Capacidade, Objeto Lícito, Forma prescrita):

A. Agente Capaz

O agente deve ser maior de 18 anos ou emancipado.

  • Incapacidade Relativa: A incapacidade relativa de uma das partes (entre 16 e 18 anos) não pode ser invocada pela outra parte para anular o contrato.
  • Proteção do Menor: A incapacidade relativa é uma exceção pessoal do menor, um instituto criado para protegê-lo.
  • Cointeressados: A arguição de anulabilidade não aproveita os cointeressados capazes, salvo se o objeto for indivisível (Ex.: um diamante, um cavalo).

B. Objeto Lícito, Possível, Determinado ou Determinável

O objeto é aquilo que está sendo negociado.

  1. Lícito: Não pode ser vedado ou proibido pelo ordenamento (Ex.: compra e venda de drogas ilícitas torna o negócio inválido).
  2. Possível: Se a impossibilidade for absoluta (Ex.: soprar o sol até apagar), ela invalida o negócio jurídico.
  • Impossibilidade Inicial: Se a impossibilidade for apenas inicial (no começo, mas depois se torna possível, Ex.: uma manga verde que amadurece), ela não invalida o negócio jurídico, especialmente se for relativa ou se cessar antes da condição.
  1. Determinado ou Determinável: O objeto deve ser especificado pelo gênero, quantidade e qualidade. Se for indeterminado, o negócio jurídico é inválido.

C. Forma Prescrita ou Não Defesa em Lei

A forma é o modo de exteriorização da vontade.

  • Regra da Liberdade: A regra é que a declaração de vontade não depende de forma especial, salvo se houver lei expressa determinando uma forma específica.
  • Escritura Pública (Exceção): O instrumento público (Escritura Pública, feita em cartório) não é regra para a validade de um negócio jurídico.
  • Escritura Pública Obrigatória: A Escritura Pública é essencial e obrigatória quando houver Constituição de direitos reais sobre imóveis com valor superior a 30 salários mínimos, salvo hipóteses legais.
  • Interpretação da Vontade:Intenção: Nas declarações de vontade, deve-se atender mais à intenção do que ao sentido literal do que foi escrito.
  • Reserva Mental: A declaração de vontade subsiste, ainda que o autor tenha feito reserva mental de não querer o que manifestou. A reserva mental só valerá se a outra parte sabia da intenção.
  • Silêncio: A regra é que quem cala não consente. O silêncio só importa anuência quando as circunstâncias ou os usos autorizarem, e a declaração expressa não for necessária.

IV. Defeitos do Negócio Jurídico (Vícios do Consentimento)

O negócio jurídico pode ter defeitos que geram uma negativa (nulidade ou anulabilidade).

  1. Erro e Ignorância: O erro ocorre quando o sujeito compra algo achando que era de um material, mas não era (Ex.: comprar gato por lebre). A ignorância ocorre quando se aproveita da pessoa leiga que não entende o objeto do negócio.
  2. Fraude: Situação em que a pessoa é enganada com intenção (Ex.: vender peixe tratado para parecer salmão; restaurante que usa cores de franquia famosa, mas não é).
  3. Coação: Ocorre por meio de uma ameaça, fazendo com que o sujeito realize o negócio (Ex.: “venda a casa ou vou jogar uma bomba”).
  4. Estado de Perigo: O sujeito se aproveita de uma situação de urgência ou perigo para impor a compra de algo em valor elevado ou acima do mercado (Ex.: vender barco salva-vidas por preço muito superior enquanto o outro afunda; caução de cheque em plano de saúde ou hospital).
  5. Lesão: Ocorre quando o sujeito é lesado no contrato, podendo gerar Perdas e Danos (danos morais). O contrato gera lesão se o valor se altera de forma desproporcional (Ex.: contrato em dólar com reajuste que se torna excessivamente oneroso).

V. Atos Ilícitos e Extinção de Direitos

A. Atos Ilícitos

São aqueles fatos humanos que são contrários ao ordenamento jurídico ou que constituem abuso de direito, quando a pessoa excede os limites do razoável. Os atos ilícitos geram responsabilidade e a obrigação de indenizar.

B. Prescrição e Decadência (Atos Extintivos)

Estes são classificados como atos fatos jurídicos.

  • Prescrição: É a perda do direito de ingressar com ação (perde o direito processual). O sujeito continua tendo o direito material. Os prazos são variados (3, 5, 10 anos, dependendo da situação).
  • Decadência (Perempção): É a perda do direito propriamente dito (perde o direito material).

Resumo

A distinção entre Fatos Jurídicos Lícitos é vital: os Atos Jurídicos Stricto Sensu têm seus efeitos determinados pela Lei (Ex.: Maioridade), enquanto os Negócios Jurídicos têm seus efeitos ditados pela Vontade Qualificada das partes, desde que preenchidos os requisitos de Agente Capaz, Objeto Lícito e Forma Prescrita. A falha nesses requisitos ou a presença de Vícios (Erro, Fraude, Coação) compromete a validade e eficácia do negócio.

Exemplo para fixação: Pense no Direito Civil como um jogo de cartas. O Fato Jurídico é a “rodada” que força uma jogada. O Ato Jurídico Stricto Sensu é uma jogada obrigatória onde as regras do baralho (a Lei) ditam o resultado (ex.: “se você tem 18, joga a carta ‘Capacidade Plena'”). O Negócio Jurídico é uma jogada estratégica onde sua vontade (o blefe ou a troca) determina o resultado, desde que você tenha as cartas certas (Agente, Objeto, Forma) em mãos. O Ato Ilícito é a trapaça, que não faz parte das regras, mas gera a penalidade.

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